Elizabeth Vilela
Poucas questões provocam debates tão intensos no Direito de Família quanto a possível revogação da Lei da Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010), proposta pelo PL 2.812/2022. Criada para proteger crianças e adolescentes de manipulações emocionais em contextos de separação, a norma passou a ser criticada por movimentos feministas e especialistas que apontam seu uso indevido para retaliar mães vítimas de violência doméstica.
Paralelamente, observa-se que a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), concebida para proteger mulheres, também tem sido invocada de forma estratégica em disputas de guarda. Assim, duas legislações de caráter protetivo acabam, em alguns casos, sendo instrumentalizadas para afastar o outro genitor do convívio com o filho ou obter vantagens processuais e econômicas. O desafio do Direito de Família é equilibrar a proteção de vulneráveis com a prevenção de abusos judiciais.
A função protetiva da Lei da Alienação Parental
A Lei da Alienação Parental surgiu para resguardar crianças contra manipulações que comprometem sua formação emocional — como a desqualificação constante de um genitor, a obstrução de convivência e a indução de rejeição injustificada. Quando corretamente aplicada, busca restaurar vínculos parentais e garantir o melhor interesse da criança.
Decisões judiciais ilustram essa função. Em Goiás, por exemplo, uma mãe perdeu a guarda após mudar-se de cidade sem autorização judicial, caracterizando alienação parental. Outros tribunais têm seguido linha semelhante, priorizando a guarda compartilhada e determinando acompanhamento psicológico para todos os envolvidos quando há tentativa de afastamento injustificado de um dos pais.
O risco de silenciamento de vítimas: críticas e casos práticos
Apesar da intenção protetiva, há registros de uso distorcido da LAP, especialmente contra mães que denunciam abusos. Um caso em Belo Horizonte chamou atenção: após relatar indícios de abuso sexual contra a filha, uma mãe foi acusada de alienação parental, perdeu a guarda e ficou dois anos com visitas supervisionadas de apenas uma hora por semana.
Situação semelhante ocorreu em São Paulo, onde uma genitora que denunciou o ex-marido por estupro e lesão corporal dos filhos teve a guarda revertida e passou a ter contato limitado. Esses episódios revelam o risco de a lei ser usada para descredibilizar denúncias legítimas, transformando vítimas em rés e enfraquecendo a proteção de crianças expostas à violência real.
Uso indevido da Lei Maria da Penha em litígios de guarda
A Lei Maria da Penha é um marco no combate à violência doméstica, mas também tem sido utilizada de forma estratégica em disputas familiares. Há casos em que medidas protetivas foram requeridas sem comprovação de violência, apenas para afastar o outro genitor ou influenciar a fixação da guarda.
Essa distorção gera consequências graves: violação ao contraditório, prejuízo psicológico à criança e desgaste da credibilidade da própria lei. Assim como ocorre com a LAP, a Maria da Penha pode ser transformada em instrumento de litígio, reforçando a necessidade de aplicação criteriosa e análise técnica dos fatos.
Paralelos entre a Alienação Parental e a Maria da Penha
Os dois diplomas legais revelam um mesmo risco: o da instrumentalização de leis protetivas em disputas de guarda. Em ambos os contextos, é possível identificar:
- tentativas de afastar o outro genitor do convívio familiar;
- manipulação da narrativa jurídica para monopolizar decisões sobre educação e residência;
- uso estratégico das leis para obter vantagem processual ou econômica.
Por isso, o sistema de Justiça precisa aprimorar seus mecanismos de verificação, diferenciando proteção legítima de litigância abusiva, e mantendo como norte o interesse superior da criança.
Riscos e impactos da revogação da LAP
A eventual revogação da Lei da Alienação Parental divide opiniões. Para alguns, significaria retrocesso na proteção infantil; para outros, representaria a eliminação de um instrumento frequentemente usado para punir mães injustamente.
Ainda que pioneiro ao tratar expressamente do tema, o Brasil dispõe de outros dispositivos capazes de coibir a manipulação psicológica de crianças, sem expor mães cuidadoras a acusações indevidas. Entre eles:
- Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): assegura o direito à convivência familiar e à proteção contra abuso moral;
- Código Civil: admite guarda compartilhada e prevê suspensão do poder familiar em casos graves;
- Lei Maria da Penha: protege mulheres contra violência doméstica, desde que aplicada com cautela;
- Lei nº 13.431/2017: institui a escuta especializada e reconhece a violência psicológica como forma de abuso.
Esses instrumentos, quando bem aplicados, já permitem ao Judiciário resguardar crianças de práticas de alienação sem necessidade de uma lei autônoma.
Vale dizer que a discussão sobre a revogação da LAP expõe uma tensão permanente entre proteção das vítimas e má utilização da legislação: o mesmo dispositivo que pode resguardar vínculos familiares também pode ser usado para silenciar vítimas. O mesmo se aplica à Lei Maria da Penha, quando utilizada como forma de estratégia processual, em litígios de guarda.
Mais do que revogar ou manter leis, é urgente fortalecer a formação técnica de magistrados, e demais operadores de Direito, além de aprimorar a atuação de peritos psicólogos e assistentes sociais — que devem agir com imparcialidade e base científica.
O foco central deve permanecer a criança: garantir-lhe o direito de conviver de forma segura e equilibrada com ambos os pais e famílias extensas, prevenindo que normas protetivas se transformem em armas de litígio. Somente com rigor técnico e sensibilidade humana será possível assegurar que o Direito de Família cumpra seu papel de proteção, e não de punição indevida.