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O sócio oculto da pressa

Nas empresas, o jurídico é visto como “resolvedor de problemas”, o que cria uma cultura perigosa: a de que refletir é luxo e agir sem pensar é eficiência.
Decisões tomadas no susto podem até trazer um alívio imediato, mas é um alívio enganoso
Decisões tomadas no susto podem até trazer um alívio imediato, mas é um alívio enganoso

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Sadik Sarkis

“A Urgência Manda Lembranças (e Cobra Juros Altos)”

Imagine-se tentando montar um quebra-cabeça de mil peças em cima de uma esteira rolante. Algumas peças caem no chão, outras se misturam, e, em vez de pausar para reorganizar, você acelera. Essa imagem, quase caricata, é a metáfora perfeita para o que muitos gestores vivem no dia a dia.


Por que isso importa?

O assunto importa porque mostra como a falsa urgência mina decisões estratégicas e gera riscos no ambiente corporativo

Demandas do conselho, crises de compliance, fiscalizações repentinas e aquela enxurrada de e-mails que chegam marcados como “urgentes”. Tudo parece incêndio. Tudo parece inadiável. O problema é que, quando tudo é urgente, nada é realmente importante.


Para quem isso interessa?

Interessa a gestores, sobretudo jurídicos internos e líderes empresariais, que precisam equilibrar rapidez com clareza e visão de longo prazo.

Na vida corporativa, sobretudo no comando de um jurídico interno, a verdadeira prova de liderança não está em correr mais rápido que a esteira. Está em ter clareza suficiente para saber quando parar, respirar e decidir com visão de longo prazo.

O mito do “agir primeiro, pensar depois”

Nas empresas, o jurídico muitas vezes é visto como “resolvedor de problemas”. A diretoria aciona, e o chefe do jurídico responde. Essa dinâmica, repetida à exaustão, cria uma cultura perigosa: a de que refletir é luxo e agir sem pensar é eficiência.

Mas você, gestor, sabe que a pressa cobra caro. Quantas vezes uma resposta rápida a um e-mail do presidente causou mais confusão do que solução?

Decisões tomadas no susto podem até trazer um alívio imediato, mas é um alívio enganoso. É como jogar uma toalha sobre a goteira. Parece que resolveu, mas a infiltração continua.

O ruído mental da urgência

Sob pressão, nosso cérebro não funciona em sua melhor versão. Ele entra em “modo de sobrevivência”. O córtex pré-frontal, responsável pelo raciocínio complexo, se retrai e quem assume o volante são áreas mais primitivas. Resultado é a reação no impulso, repetindo fórmulas antigas e perdendo a capacidade de enxergar alternativas.

No jurídico interno, por exemplo, significa recorrer a pareceres já usados em outros casos, insistir em litígios que poderiam ser resolvidos em mediação ou aprovar políticas no afogadilho apenas para “dar uma resposta rápida” ao conselho. É o piloto automático em ação. Confortável, mas arriscado.

O desafio do gestor: separar fogo de fumaça

Claro, existem situações em que a pressa é legítima. Um prazo judicial fatal, uma notificação de autoridade regulatória, uma crise de dados que exige comunicação imediata. Nestes casos, decidir rápido é sobreviver.

Mas grande parte do que chega à mesa do gestor não é urgência real, e sim ansiedade disfarçada. O e-mail em caixa alta, a reunião convocada “com urgência”, o pedido do diretor que “não pode esperar”. Muitas vezes, não é o problema que é urgente, mas sim, é o desconforto emocional de quem não suporta incerteza ou pressão.

E aqui entra a habilidade essencial do gestor em discernir o que precisa ser resolvido agora e o que pode, e deve, ser tratado com mais reflexão.

A pausa estratégica: três respirações que valem ouro

Pode soar simplista, mas três respirações profundas antes de responder a uma demanda têm o poder de redesenhar o rumo de uma decisão. Essa pausa breve recoloca o raciocínio analítico no comando e freia a tirania do estresse imediato.

No ambiente corporativo, esse intervalo pode ser a linha que separa um e-mail atravessado ao CFO de uma resposta ponderada. Ou a diferença entre aprovar às pressas um contrato mal revisado e dizer com firmeza: “Volto amanhã cedo com a análise completa.”

E sejamos francos, se a empresa não pode esperar o tempo mínimo para uma resposta responsável, não vale depois reclamar do erro que ela mesma patrocinou. Transparência é essencial. Então é importante deixar claro ao demandante que, se a pressa for mantida, o risco também será compartilhado. O que não dá é carregar sozinho a culpa por um resultado falho quando já se alertou que a velocidade exigida não permite rigor e precisão técnica minimamente esperada.

É nesse posicionamento firme, claro e sereno que o gestor conquista credibilidade e confiança. Porque no fim das contas, o combinado não sai caro.

O checklist de emergência do gestor

Assim como pilotos têm protocolos para momentos críticos, gestores também podem criar um roteiro de perguntas para usar sob pressão:

  1. Qual é o verdadeiro problema aqui?
  2. De quais informações realmente preciso antes de decidir?
  3. Quais são minhas três opções viáveis?
  4. Qual o pior cenário de cada opção?
  5. Se eu errar, qual decisão consigo defender melhor perante o demandante?

Esse protocolo reduz improvisos e protege o gestor do risco de decisões apressadas que pareciam boas na hora, mas explodem depois.

O “zoom out”: tirando o jurídico do microscópio

Sob pressão, tendemos a focar no detalhe imediato. Mas o gestor não pode se dar a esse luxo. Precisa fazer o exercício deliberado de ampliar a perspectiva: “Como essa decisão vai impactar a empresa em seis meses? Em um ano? Na relação com reguladores? Na confiança do time?”

Esse “zoom out” evita que o departamento do gestor seja visto apenas como um bombeiro de crises. É assim que ele se transforma em parceiro estratégico, capaz de antecipar riscos e construir soluções sustentáveis.

Conselheiros de emergência: ninguém decide sozinho

Liderar não significa decidir no isolamento. Ter uma rede de “conselheiros de emergência”, ou seja, colegas de confiança, dentro e fora da empresa, pode ser decisivo. Um especialista em regulação, alguém que entende de clima organizacional, outro com visão estratégica.

Esses conselheiros não tomam a decisão por você, mas ajudam a iluminar pontos cegos. Muitas vezes, uma pergunta simples feita de fora destrava o raciocínio: “E se fosse o contrário? E se essa cláusula fosse aplicada contra nós?”

O inimigo oculto: a perfeição

No ambiente corporativo, o perfeccionismo é um risco silencioso. O gestor que espera pela análise perfeita, pelo parecer completo e irrefutável, corre o risco de entregar tarde demais.

Sob pressão, uma decisão suficientemente boa e comunicada com clareza pode ser mais eficaz do que uma resposta impecável que chega quando a oportunidade já passou. Liderar é aceitar que, muitas vezes, decidimos com 80% de certeza e 20% de risco calculado. Você está pronto para isso?

Exercício prático para a semana

Escolha uma situação atual em que você sente pressão. Pode ser um parecer para a diretoria, um conflito interno ou uma cláusula crítica em negociação. Pergunte-se:

  • Esse problema é realmente urgente ou apenas desconfortável?
  • Se eu tivesse 24 horas extras, o que faria de diferente?
  • Qual decisão eu conseguiria explicar melhor ao demandante, mesmo se desse errado?

Escrever essas respostas pode ser surpreendentemente libertador, além de trazer a clareza que faltava.

Para fechar com clareza

O gestor em um ambiente corporativo, a exemplo do departamento jurídico, é estar no olho do furacão quase todos os dias. A pressão não vai desaparecer, os prazos não vão se alongar e as demandas urgentes não vão diminuir. Mas o modo como você reage a tudo isso é escolha sua.

No fim, a competência mais rara de um gestor não está apenas no domínio técnico ou na habilidade de gerir pessoas e processos. Está na capacidade de decifrar o teatro da urgência, reconhecendo quando o incêndio é real e quando não passa de fumaça corporativa alimentada por medo, ego ou ansiedade.

Essa leitura fina, que combina sensibilidade, coragem e clareza, é o que separa o líder reativo do líder estratégico. Porque, em um ambiente onde todos correm atrás da velocidade, o verdadeiro diferencial não é quem responde primeiro, mas quem responde certo.

E, no tabuleiro corporativo, só sobrevive quem entende que o tempo mais bem gasto é aquele usado para pensar antes de agir. Afinal, decisões tomadas com calma não apenas resolvem o presente, mas constroem o futuro.

Vale repetir: se a empresa não pode esperar o tempo mínimo para uma resposta responsável, não vale depois reclamar do erro que ela mesma patrocinou.

Foto de Sadik Sarkis

Sadik Sarkis

Executivo jurídico e de Compliance com mais de 20 anos na área de gestão e liderança corporativa. Associado com formação de Conselheiro Independente e integrante da Comissão Jurídica do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Membro de Conselho Fiscal e Membro de Conselho Consultivo de instituições do terceiro setor. Membro da Comissão Especial de Compliance da OAB/SP e Membro do Comitê de Cultura de Integridade da Rede Brasil do Pacto Global da ONU. Certificação em Educação Executiva em Compliance e formação de Especialista em Compliance, ambos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-Law/SP). Formação Executiva em Liderança e Negociação pela Executive Language Institute na Hult International Business School in Boston/MA. Pós-graduando de MBA em Inteligência Artificial em Negócios pela Faculdade Exame – Saint Paul. Mestrando em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais pela Escola Paulista de Direito (EPD).

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