Da Redação
Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) deixou de ser apenas uma curiosidade tecnológica e passou a impactar diretamente diversas indústrias, como comunicação, entretenimento e educação. No entanto, seu rápido crescimento também trouxe consigo uma avalanche de disputas judiciais.
Grandes empresas desenvolvedoras de IA, como OpenAI, Microsoft, MidJourney e Anthropic, têm enfrentado processos milionários — ou até trilionários — por violações de direitos autorais e uso não autorizado de obras protegidas.
Essas ações judiciais giram, em grande parte, em torno de um ponto central: a utilização de dados proprietários (livros, conteúdos jornalísticos e obras criativas) no treinamento de modelos de IA generativa sem a devida remuneração ou autorização.
Apesar de argumentos que defendem o “uso justo” (fair use), conceito jurídico que permite o uso de materiais protegidos em determinados contextos, como crítica ou pesquisa, o avanço da tecnologia esbarrou nos limites da regulação.
O caso Anthropic: uma negociação de bilhões em jogo
A Anthropic, criadora do modelo de IA Claude, é protagonista de um dos processos mais emblemáticos do momento. A empresa enfrenta uma ação coletiva nos EUA movida por autores que acusam a plataforma de usar milhões de livros pirateados para treinar seus modelos. Inicialmente, a Anthropic propôs um acordo de 1,5 bilhão de dólares para encerrar o caso, mas o juiz William Alsup bloqueou a negociação por falta de transparência.
Ele questionou como os membros da ação seriam notificados e a inclusão de informações vitais, como a lista de obras usadas. Com a indenização podendo alcançar até 1 trilhão de dólares, o desfecho do caso pode estabelecer um importante precedente jurídico para disputas semelhantes envolvendo direitos autorais na IA.
Microsoft e o modelo Megatron: a polêmica dos 200 mil livros piratas
A Microsoft está sendo acusada de utilizar quase 200 mil livros pirateados no treinamento do seu modelo Megatron. Autores famosos, como Kai Bird e Jia Tolentino, pedem indenizações de até 150 mil dólares por obra utilizada. A denúncia aponta que o algoritmo da Microsoft não apenas se baseou em trabalhos protegidos, mas também imita temas, estilos e expressões das obras originais.
Apesar de a Microsoft argumentar que seu uso dos materiais pode ser interpretado como “fair use”, os autores alegam que o modelo ultrapassa os limites dessa proteção ao reproduzir trechos significativos de obras completas. A ação ocorre em meio a debates sobre os impactos financeiros e criativos que modelos como Megatron podem gerar para os criadores originais, destacando as dificuldades em se equilibrar a inovação tecnológica e os direitos intelectuais.
MidJourney contra a Disney: IA e personagens icônicos
No campo do entretenimento, a MidJourney enfrenta um processo liderado pela Disney, que acusa a startup de usar personagens icônicos, como Darth Vader e Deadpool, sem permissão. A Disney argumenta que notificações formais foram ignoradas e reforça que a proteção de sua propriedade intelectual é essencial para a sustentabilidade da indústria criativa.
Essa é a primeira grande ação de Hollywood contra uma desenvolvedora de IA, mas dificilmente será a última. Outros estúdios, como NBCUniversal e Paramount, também desenvolveram estratégias para proteger seus acervos, enquanto acompanham de perto as decisões judiciais contra a IA.
O processo exemplifica um dos maiores desafios legais da tecnologia: sua capacidade de memorizar e reproduzir integralmente conteúdos protegidos. A falta de regulação sobre o uso de obras autorais em treinamentos de IA acirra a tensão entre gigantes do entretenimento e empresas de tecnologia.
OpenAI e os jornais: o impacto do ChatGPT no jornalismo
A OpenAI também tem sido alvo de diversas ações, incluindo processos movidos pelo New York Times (NYT) e pela Folha de S.Paulo, que acusam a empresa de utilizar conteúdos jornalísticos protegidos para treinar o ChatGPT. Além das violações autorais, os jornais destacam como a ferramenta prejudica financeiramente suas operações ao reproduzir informações que deveriam estar protegidas por paywalls e contratos de licenciamento.
O NYT, por exemplo, alega que o acesso irrestrito promovido pelo ChatGPT destrói seu modelo de negócios, baseado em assinaturas digitais e receitas publicitárias. Já a Folha de S.Paulo exige não apenas indenização, mas também a destruição dos modelos da OpenAI que foram treinados com seus conteúdos.
Os dois jornais argumentam que as violações comprometem não apenas seus direitos autorais, mas também a sustentabilidade do jornalismo independente — um elemento essencial para as democracias.
Os desafios do “fair use” e a ausência de regulação
Um ponto central em comum entre esses casos é o debate em torno do “fair use” e da aplicação desse princípio à inteligência artificial. Conceito chave no direito autoral dos EUA, o fair use permite o uso limitado de materiais protegidos em contextos como crítica, ensino ou pesquisa. No entanto, os críticos apontam que sistemas de IA vão além, memorizando e reproduzindo trechos completos de obras, muitas vezes sem conexão com os contextos previstos no uso justo.
Enquanto o Brasil possui uma legislação autoral mais rígida e baseada em exceções específicas, o sistema jurídico americano ainda tenta adaptar conceitos do Digital Millennium Copyright Act (DMCA) à tecnologia contemporânea. A ausência de uma regulação clara e global sobre o uso de dados para IA gera incertezas e amplia o número de litígios no setor.
O que está em jogo?
Por trás dessas disputas estão questões muito maiores do que simplesmente indenizações milionárias. Empresas de tecnologia estão testando os limites da lei em busca de desenvolver sistemas cada vez mais avançados e competitivos, enquanto criadores tentam proteger não apenas seus direitos autorais, mas também a viabilidade de seus negócios.
A regulação desse novo terreno jurídico será crítica para estabelecer um equilíbrio entre inovação tecnológica e respeito ao trabalho criativo.
As decisões judiciais dos próximos anos em casos como os da OpenAI, Microsoft e Anthropic determinarão não apenas os rumos da inteligência artificial, mas também o futuro dos direitos autorais na era digital.