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Você está mesmo resolvendo o problema certo?

Por que nossas soluções falham? Como evitar armadilhas na definição dos problemas
Cada causa exige uma solução diferente e atacar só o sintoma é como tomar um analgésico para uma infecção
Cada causa exige uma solução diferente e atacar só o sintoma é como tomar um analgésico para uma infecção

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Sadik Sarkis

Sabe aquele herói corporativo que “entende e resolve tudo na hora”? O sujeito que chega na sala de reunião, ouve três frases e já dispara um plano de ação? Pois é, muitas vezes ele não passa de um bombeiro jogando água no endereço errado.

Reconheço ser tentador agir rápido, cortar o papo, mostrar que entende e apresentar soluções. Mas, no mundo real, essa pressa pode ser o atalho mais longo da sua vida profissional. Pode passar a impressão de eficiência e agilidade, mas é só desperdício de tempo, energia e recursos. Resolver rápido o problema errado é como usar GPS sem colocar o destino certo. Com certeza você vai chegar. O problema é onde, exatamente?

A pressa disfarçada de competência

Vivemos atualmente numa cultura de agilidade. Nas redes sociais, ganha aplausos quem “age sem enrolar”. Então idolatra-se o “resolvedor rápido”. É o líder que não hesita, o profissional “mão na massa”, espalhafatoso que compreende tudo na hora e não deixa nada para amanhã.

Só que aqui está a minha provocação: resolver rápido o problema errado é pior do que demorar para entender o problema certo. Quando o ponto de partida está errado, qualquer caminho é perda de tempo e, às vezes, causa mais estragos do que benefícios.

Imagine uma empresa enfrentando queda nas vendas. A resposta imediata? Promoções agressivas, descontos, campanhas publicitárias. Meses depois, nada muda. O problema não era o preço, era a reputação. Clientes já não confiavam no serviço. O desconto, longe de ajudar, só reforçou a má impressão e o desespero da empresa.

A questão é que sintomas gritam, mas causas sussurram. É mais fácil reagir ao que está visível do que investigar o que está escondido.

A pressa de resolver

Tem gente que acha bonito “ser prático”. Resolver logo. “Vamos direto ao ponto”, dizem. Só que, quando o ponto está mal colocado, o caminho inteiro sai torto.

A diferença entre um problema bem definido e um conjunto de sintomas é a mesma que existe entre um diagnóstico médico preciso e um “estou me sentindo mal”. Sintomas são pistas, mas não a história toda.

“Nossa comunicação interna não está funcionando” é vago. Já “as informações sobre mudanças de projeto não chegam à equipe de produção a tempo de evitar retrabalho” é específico. O primeiro leva a soluções genéricas, como “vamos melhorar a comunicação”. O que significa tudo e nada ao mesmo tempo. O segundo aponta para ações concretas e mensuráveis.

O mesmo vale para qualquer área. “Nossa rotatividade é alta” é apenas o topo do iceberg. A causa pode estar na liderança, na falta de oportunidades, na remuneração, na cultura ou até no excesso de processos engessados. Cada causa exige uma solução diferente e atacar só o sintoma é como tomar um analgésico para uma infecção, ou seja, até dá um alívio temporário, mas o problema cresce nos bastidores.

Três pilares de um bom diagnóstico

Um problema bem definido:

1.  É específico. Se explica em uma frase clara e direta, sem jargões ou rodeios.

2.  Considera o contexto, pois problemas não vivem isolados. Eles acontecem dentro de sistemas cheios de ramificações.

3.  Diferencia causas de sintomas, porque cada causa pede um tipo de solução e confundir uma coisa com a outra é receita para o fracasso.

Ignorar qualquer um desses pilares é o mesmo que montar um quebra-cabeça com peças que não se encaixam. Pode até parecer que está ficando pronto, mas a imagem final nunca será a correta.

O vício da “ferramenta favorita”

Outro inimigo da boa definição é a “síndrome do martelo”. Quando você tem um martelo, tudo parece prego. Se sua especialidade é marketing, o problema será “falta de comunicação”. Se é tecnologia, o problema será “falta de sistema”. Se é finanças, o problema será “gasto excessivo”.

Essa tendência nos leva a enquadrar problemas dentro da nossa zona de conforto, o que limita nossa visão e cria soluções enviesadas. Em vez de resolver o que precisa ser resolvido, resolvemos o que sabemos resolver.

As emoções como vilãs da clareza

Há ainda a pressão emocional. Quando algo nos causa ansiedade, a tendência é eliminar o desconforto o mais rápido possível. Essa urgência faz a gente aceitar a primeira definição que aparece, sem questionar. É como um hóspede indesejado: em vez de perguntar quem é e por que veio, já tratamos de empurrá-lo para fora, mesmo correndo o risco de expulsar a visita errada.

O sintoma grita, a causa sussurra

Sintomas são visíveis, barulhentos, incômodos. Já as causas são tímidas, subterrâneas. Como um iceberg, o que aparece é só a ponta. Para entender o todo, é preciso descer, investigar, perguntar, duvidar.

Uma das técnicas mais simples, e mais potentes que conheço, é fazer a pergunta “por quê?” cinco vezes. Parece bobo, mas experimente:

Exemplo:

– Estou sempre atrasado.

– Por quê? Porque saio em cima da hora.

– Por quê? Porque subestimo o tempo.

– Por quê? Porque não considero imprevistos.

– Por quê? Porque não planejo o dia.

– Por quê? Porque começo cada manhã no automático.

Resultado: o problema não é o trânsito, mas a falta de um ritual matinal. É um ajuste de comportamento, não um aplicativo de mobilidade.

O problema que cabe no bolso (ou na mochila)

Outra boa prática é transformar um “problema-elefante” em um “problema-mochila”. Dizer “minha empresa está uma bagunça” é tão amplo que paralisa. Mas se definirmos “o processo de contratação está lento e confuso, fazendo bons candidatos desistirem”, já temos algo que dá para carregar, investigar e resolver.

Como escapar da armadilha

Definir bem um problema exige coragem para conviver com a incerteza. E paciência para não se agarrar à primeira resposta. Às vezes, é só depois de conversar com outras pessoas, de observar o contexto e de se questionar algumas vezes que o problema real aparece.

Por isso, vale fazer uma pausa. Sair do piloto automático. Escrever. Desenhar. Perguntar.

A estratégia é simples, mas exige disciplina:

  • Comece com a pergunta certa: “O que exatamente estamos tentando resolver?”.
  • Resista à pressa: não confunda ação rápida com ação eficaz.
  • Inclua múltiplas perspectivas: o que parece um problema para vendas pode ter outra explicação para marketing ou produção.
  • Registre por escrito: escrever obriga à clareza e expõe contradições no raciocínio.

O efeito colateral positivo

O mais curioso é que, quando o problema é bem definido, muitas vezes a solução surge quase sozinha. E, em alguns casos, percebemos que o “problema” nem era tão grave ou urgente assim. É como ajustar o foco da câmera, o cenário já estava lá, só estava embaçado.

Um convite para você

Na próxima vez que se deparar com um desafio, antes de correr atrás de respostas, de fazer reuniões, de gastar energia, pare. Sente-se com papel e caneta. E escreva, com calma:

O problema que estou tentando resolver é…

Se você não conseguir completar essa frase com clareza, talvez ainda não tenha encontrado o problema certo.

E essa pode ser o seu dever de casa: identificar um desafio e redesenhar sua definição. Refaça perguntas. Troque os porquês. Ouça outras perspectivas. E, principalmente, resista ao impulso de resolver logo. Pode parecer mais lento no início, mas é o tipo de investimento que retorna em soluções duradouras e muito mais eficazes.

Afinal, problema bem definido é meio caminho andado. E o outro meio (do caminho) fica muito mais leve de trilhar.

Foto de Sadik Sarkis

Sadik Sarkis

Executivo jurídico e de Compliance com mais de 20 anos na área de gestão e liderança corporativa. Associado com formação de Conselheiro Independente e integrante da Comissão Jurídica do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Membro de Conselho Fiscal e Membro de Conselho Consultivo de instituições do terceiro setor. Membro da Comissão Especial de Compliance da OAB/SP e Membro do Comitê de Cultura de Integridade da Rede Brasil do Pacto Global da ONU. Certificação em Educação Executiva em Compliance e formação de Especialista em Compliance, ambos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-Law/SP). Formação Executiva em Liderança e Negociação pela Executive Language Institute na Hult International Business School in Boston/MA. Pós-graduando de MBA em Inteligência Artificial em Negócios pela Faculdade Exame – Saint Paul. Mestrando em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais pela Escola Paulista de Direito (EPD).

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