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O caso Felca: adultização, oversharenting e o papel do poder familiar

A exposição de crianças e adolescentes nas redes sociais exige responsabilidade moral e consciência ética dos responsáveis
Felca expôs como muitos adultos, que deveriam proteger os menores, acabam transformando a imagem das crianças em um perigoso produto digital
Felca expôs como muitos adultos, que deveriam proteger os menores, acabam transformando a imagem das crianças em um perigoso produto digital - Reprodução Youtube

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Elisabeth Vilela de Moraes

A prisão do influenciador Hytalo Santos reacendeu um debate jurídico e ético urgente sobre a exposição de crianças e adolescentes na internet. Hytalo foi detido sob a acusação de tráfico humano, exploração de menores e, mais notadamente, de um possível esquema de emancipação irregular.


Por que isso importa?

Importa porque expor crianças e adolescentes nas redes sociais, seja por oversharenting ou emancipação irregular, coloca em risco sua segurança, privacidade e desenvolvimento, configurando abuso do poder familiar

As investigações apuram festas com consumo de álcool por menores e a suposta emancipação de adolescentes em troca de bens, como celulares. A suspeita é que essa prática visava burlar a lei, permitindo que os jovens comercializassem conteúdo e participassem de eventos legalmente proibidos para sua idade.

O caso ganhou ainda mais notoriedade com o vídeo do youtuber Felca. Ele expôs como muitos adultos, que deveriam proteger os menores, acabam transformando a imagem de seus próprios filhos em um produto digital. Em busca de engajamento e lucro, não é raro que usem comportamentos, falas ou aparências com conotação sexualizada, fenômeno conhecido como adultização.


Para quem isso interessa?

A pais, responsáveis, educadores, autoridades, advogados e qualquer pessoa que lide com menores e redes sociais, para prevenir abusos e garantir proteção integral.

O problema vai muito além do lucro. Esse tipo de conteúdo atrai um público perigoso, como pedófilos, que se aproveitam de falhas nos algoritmos das plataformas. O material ilícito circula e é cada vez mais sugerido a usuários com intenções criminosas, criando um ciclo de vulnerabilidade para as crianças expostas.

Emancipação com fins comerciais: abuso do poder familiar

A emancipação é um instituto jurídico que antecipa a capacidade civil de um adolescente. No entanto, quando usada para contornar a lei e explorar economicamente a imagem de um menor, ela se torna um abuso do poder familiar.

Pais que promovem a emancipação de seus filhos apenas para viabilizar contratos publicitários ou participação em eventos e que, assim, desviam de restrições legais da idade podem ser responsabilizados civil e criminalmente.

Essa prática viola o princípio da proteção integral do menor, garantido pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), afrontando o direito à dignidade e a um desenvolvimento saudável. A Justiça pode anular a emancipação se comprovar que houve prejuízo ao menor e aplicar sanções aos responsáveis.

Poder Familiar: dever, não privilégio

O poder familiar é um conjunto de direitos e deveres dos pais para assegurar que seus filhos cresçam em um ambiente seguro, que garanta seu bem-estar e seu desenvolvimento físico, emocional e social. Essa obrigação se estende, inevitavelmente, ao ambiente digital.

A adultização e a emancipação irregular de menores nas redes sociais são violações diretas desse dever de proteção. Publicar fotos ou vídeos de filhos sem finalidade comercial não requer a autorização formal do outro genitor, mas ambos são igualmente responsáveis pelas consequências.

A internet não é um espaço privado, e o conteúdo, uma vez publicado, pode ser copiado e manipulado para fins ilícitos, sem que os pais consigam deter sua circulação. O poder familiar não é um salvo-conduto para buscar visibilidade ou lucro à custa da imagem e da integridade de crianças e adolescentes. Ele é um dever funcional, e não um privilégio.

Quando a exposição das crianças pelos pais vira “Overshatering”

O termo oversharenting (junção das palavras em inglês over, excesso, e sharing, compartilhar) refere-se à prática de postar de forma exagerada e indiscriminada a vida dos filhos nas redes sociais. Essa exposição vai muito além de fotos pontuais, incluindo a divulgação de dados íntimos, rotinas e até a localização, o que facilita a ação de criminosos.

Essa prática invadiu a internet, com pais criando perfis inteiramente dedicados aos filhos, expondo cada detalhe de suas vidas — desde o primeiro passo até o registro de piolho “andando” nos cabelos da criança.

O ponto mais grave, no entanto, é a ausência de liberdade da criança sobre o conteúdo publicado, tendo sua intimidade e privacidade expostas sem qualquer consentimento possa ser dado.

A situação se agrava ainda mais quando perfis monetizam a partir dessa exposição, transformando a vida de um indivíduo indefeso e que deveria ser protegido, em um produto digital.

Nesses casos, o outro genitor tem o dever de intervir para proteger a criança, amparado pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção integral. A lei prevê que pais que expõem seus filhos em excesso podem sofrer sanções como advertência, multa ou até mesmo ter seu direito de convivência restringido. Antes de acionar o Judiciário, no entanto, é sempre recomendado buscar o diálogo.

Oversharenting vs. uso sem supervisão

Enquanto no oversharenting a exposição é causada pelos pais, o uso sem supervisão das redes sociais tem origem nas ações do próprio menor — mas a responsabilidade continua sendo dos pais.

Sem acompanhamento, crianças e adolescentes ficam vulneráveis a perigos como:

  • Compartilhar informações pessoais com desconhecidos.
  • Postar fotos ou vídeos inapropriados sem entender as consequências.
  • Sofrer aliciamento, cyberbullying ou chantagem virtual.
  • Ter acesso a conteúdos impróprios que distorcem sua percepção de mundo.

Em ambos os cenários, os pais têm a obrigação de orientar e proteger os filhos, também no ambiente digital. A negligência pode, inclusive, levar à responsabilização legal se houver danos à integridade do menor.

O que Felca e Hytalo nos ajudam a compreender?

A repercussão do caso Hytalo Santos e o alerta de Felca sobre a exploração de menores nas redes sociais nos mostram uma verdade inegável: a exposição de crianças e adolescentes nas redes sociais exige responsabilidade moral e consciência ética dos responsáveis por crianças e adolescentes. Afinal, o poder familiar é um dever de proteção, e usá-lo para explorar a imagem do filho ou negligenciar a supervisão digital é trair sua essência.

Quando se trata de menores, o cuidado e a proteção devem sempre vir antes do conteúdo.

Foto de Elizabeth Vilela de Moraes

Elizabeth Vilela de Moraes

Elizabeth Vilela de Moraes é advogada especialista em Direito Público e atua predominantemente no Direito Familiarista, com foco nos Direitos das Mulheres.

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