Cristiano Zanetta
A inteligência artificial deixou de ser apenas uma tecnologia de apoio para se tornar um agente ativo nas relações de trabalho. Nesse novo cenário, o papel do RH também se transforma: se antes era o guardião do humano nas organizações, agora assume também a responsabilidade de humanizar as tecnologias que se relacionam com ele.
A nova liderança em Recursos Humanos vai além da atração e do desenvolvimento de pessoas. Envolve ensinar máquinas a interagir com empatia, compreender contextos emocionais e atuar com senso ético. É a transição da gestão de talentos humanos para a curadoria de inteligências artificiais que espelhem valores humanos.
IA com personalidade: o surgimento das emoções digitais
Um conceito emergente e central nessa mudança é o da engenharia de personalidade da IA: a prática de projetar o estilo emocional e comportamental de inteligências artificiais. Isso inclui tom de voz, sensibilidade ao contexto, capacidade de escuta e até mesmo um “senso programado de empatia”.
Ferramentas como a HireVue, que já realiza entrevistas por IA com leitura de expressões faciais e vocais, e assistentes virtuais como a Paradox Olivia, que personalizam interações com candidatos de acordo com a cultura organizacional, mostram como essa engenharia já está sendo aplicada no RH.
Mais do que automatizar processos, trata-se de criar experiências emocionalmente inteligentes e alinhadas à identidade da empresa.
O paradoxo da escuta: por que preferimos falar com robôs?
De acordo com o relatório “AI at Work”, produzido pela Oracle e Workplace Intelligence, 82% dos profissionais preferem conversar com uma IA sobre saúde mental a falar com seus gestores. Aparentemente paradoxal, esse dado revela um ponto crítico: não é que a tecnologia seja mais humana, mas sim que muitas lideranças ainda são pouco preparadas para escutar sem julgar.
Isso exige uma mudança urgente na formação dos líderes. A empatia não é uma opção, mas uma competência-chave. Ao mesmo tempo, a IA pode ser treinada para oferecer acolhimento inicial, mapeamento de clima e suporte emocional com base em dados de comportamento, desde que seja projetada com intencionalidade.
Dados e desafios do Brasil
Segundo levantamento da Distrito, 63,2% das empresas brasileiras usam IA principalmente na área de Tecnologia da Informação. No RH, esse índice cai para 44,8%. Menos de um terço dessas organizações possui um planejamento estruturado para a adoção dessa tecnologia, o que evidencia um longo caminho de amadurecimento.
Isso não significa atraso, mas oportunidade. Existe um espaço latente para o RH liderar projetos de IA que tenham como foco a humanização dos fluxos organizacionais: desde processos seletivos empáticos até sistemas de escuta ativa automatizada.
Três direções para o RH liderar com IA:
- Programar com valores: A personalização da IA não pode ser técnica apenas. Precisa refletir a cultura e os valores da empresa. Isso exige a atuação conjunta entre RHs, engenheiros de prompt e especialistas em comportamento organizacional.
- Formar líderes digitais e emocionais: O novo líder precisa transitar com fluidez entre o algoritmo e o olho no olho. É preciso investir em formações que integrem inteligência emocional, ética tecnológica e leitura de dados.
- Humanizar com dados reais: Ferramentas de IA já permitem monitorar sinais de burnout, oscilações de clima e picos de estresse. Mas seu uso deve ser acompanhado por ética, privacidade e um RH atento às interpretações sensíveis desses dados.
No fim das contas, a missão essencial do RH permanece: preservar e promover a experiência humana dentro das organizações. A diferença é que, agora, esse humano também precisa estar presente nas inteligências artificiais com as quais interagimos todos os dias.
Liderar com IA não é delegar à máquina o que é humano. É usar a tecnologia para ampliar nossa capacidade de escutar, compreender e cuidar. E isso começa por um RH que compreenda, ao mesmo tempo, de algoritmos e de afetos.