As enchentes no Rio Grande do Sul, provocadas pelos temporais que se iniciaram no começo do mês de maio deste ano geraram consequências irreparáveis. Os números são assustadores e geram extrema sensação de impotência e desamparo.
Infelizmente, as consequências não param por aí. Há também o fato de inúmeras mortes e abandono de animais, sejam os de estimação, sejam aqueles criados para consumo, como bovinos e suínos.
Bairros inteiros ficaram embaixo d’água; casas e carros foram levados pela intensidade da correnteza das águas.
Enfim, o cenário de assolamento e destruição é de grandes proporções e embora a população de todo o País tenha se sensibilizado e se mobilizado para ajudar a população do Estado gaúcho, é de questionar a responsabilidade do Estado frente a catástrofes ambientais como esta.
Embora alguns imaginem que nada pode fazer o Estado em casos como estes, a realidade é que existe, sim, a possibilidade de responsabilização Estatal. Em especial nos casos em que houver prejuízos materiais decorrentes das enchentes e alagamentos.
Isto porque é competência de todos os entes federativos a promoção de construção de moradias, respeitando as condições habitacionais e de saneamento básico, senão vejamos o que dispõe a nossa Carta Magna:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
Ademais, é de se notar que em especial as regiões em que é costumeiro alagamento decorrentes de desastres naturais, merecem constante atenção por parte do Estado, de forma que a falta de investimento em meios de prevenir situações de risco configuram negligência, na forma de omissão do Estado.
E é esta omissão/negligência que faz com que a responsabilidade do Estado, em casos de catástrofes ambientais, seja objetiva, gerando o dever de indenizar aqueles que sofreram prejuízos. Neste tocante, importa esclarecer que, por responsabilidade civil objetiva, em síntese, entende-se sendo aquela em que, havendo nexo causal entre o evento e o dano ocorrido, haverá dever de indenizar, independentemente de culpa por parte do Estado.
Ainda sobre o dever do Estado em prevenir estes tipos de catástrofes, é possível extrair do art. 26 da Constituição Federal que é dever do Estado cuidar e zelar pelas águas intermunicipais.
A título de melhor ilustrar este entendimento, Maria Sylvia Zanella Di Pietro nos esclarece:
“(…) quando as chuvas provocam enchentes na cidade, inundando casas e destruindo objetos, o Estado responderá se ficar demonstrado que a realização de determinados serviços de limpeza dos rios ou dos bueiros e galerias de águas pluviais teria sido suficiente para impedir a enchente.
Não apenas a doutrina caminha para este entendimento, mas também a jurisprudência vem se tornando cada vez mais uníssona, conforme se demonstra a seguir.
É entendimento do Tribunal do próprio Estado atingido:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. TURMAS RECURSAIS DA FAZENDA PÚBLICA REUNIDAS. RESPONSABILIDADE CIVIL, EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL, POR DANOS DECORRENTES DE ALAGAMENTOS E INUNDAÇÕES. DIVERGÊNCIA ENTRE AS TURMAS FAZENDÁRIAS SOBRE SER OBJETIVA OU SUBJETIVA A RESPONSABILIDADE ESTATAL NA HIPÓTESE. ACOLHIMENTO DO INCIDENTE E UNIFORMIZAÇÃO DO ENTENDIMENTO, COM A EDIÇÃO DE ENUNCIADO NOS SEGUINTES TERMOS: “A RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL, NOS CASOS DE OMISSÃO, GENÉRICA OU ESPECÍFICA, EM HIPÓTESE DE ALAGAMENTOS E INUNDAÇÕES, É OBJETIVA, RESSALVADA A PROVA, PELO ENTE PÚBLICO, DE ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL ENTRE A OMISSÃO E O DANO EXPERIMENTADO PELO PARTICULAR”. INCIDENTE CONHECIDO E UNIFORMIZADO O ENTENDIMENTO, POR MAIORIA, COM EDIÇÃO DE ENUNCIADO.
Na mesma linha de raciocínio, é entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“a responsabilidade civil por danos ambientais é propter rem, além de objetiva e solidária entre todos os causadores diretos e indiretos do dano” (AgInt no AREsp 2.115.021/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 16/3/2023).
É evidente que o mero conhecimento de que existe a possibilidade de exigir do Estado uma indenização pelos prejuízos suportados não traz a sensação de alívio necessária em uma situação tão grave e crítica quanto a vivida pela população do Rio Grande do Sul. Em especial se for levado em consideração a morosidade da justiça brasileira.
Contudo, é imperioso que a maior quantidade de pessoas atingidas intente suas demandas judiciais, ainda que sejam seus filhos ou netos que venham a perceber os “louros” do deferimento dos pedidos. Não apenas pelo valor material, por si, mas como mecanismo de coação face ao Estado; impelindo-o a tornar-se um País mais preventivo que remediador.