Priscilla Adaime
Recentemente, a OAB São Paulo divulgou decisão reforçando a vedação ao uso de casos concretos por advogados em qualquer tipo de publicidade ou comunicação, especialmente quando possam atingir grande amplitude, como postagens em redes sociais. A notícia causou surpresa no mercado, embora a proibição já esteja prevista no artigo 6º do Provimento n.º 205/2021, que veda expressamente a utilização de casos concretos para oferta de atuação profissional, sem, contudo, mencionar as redes sociais de forma direta.
A norma é clara ao priorizar a preservação do sigilo e da dignidade profissional, mas provoca questionamentos sobre sua aplicabilidade em um cenário no qual escritórios de advocacia precisam conciliar compliance ético com a sustentabilidade financeira. O mesmo provimento autoriza a utilização de anúncios pagos no Google Ads e o impulsionamento de postagens em redes sociais, o que gera certa dissonância. Se por um lado permite-se a veiculação de anúncios digitais, por outro impede-se que o escritório divulgue casos públicos e amplamente repercutidos pela mídia, mesmo quando não há quebra de sigilo.
Linha tênue
A medida visa evitar mercantilização da profissão e proteção de dados sensíveis, mas, na prática, cria insegurança sobre os limites do marketing jurídico.
Porque a discussão sobre publicidade na advocacia envolve o equilíbrio entre inovação e ética profissional. De um lado, os advogados precisam se comunicar de forma transparente e sustentável no mercado; de outro, é essencial preservar o sigilo, a dignidade da profissão e a confiança pública. A forma como esses limites são definidos impacta diretamente a credibilidade da advocacia e a qualidade do serviço oferecido à sociedade.
Por que isso importa?
Afinal, se um caso foi noticiado pela imprensa e está disponível em múltiplos canais, por que o escritório não poderia, com a devida cautela, compartilhar sua participação de forma objetiva? A linha que separa a publicidade informativa da captação de clientela é tênue e, quando mal definida, compromete a competitividade dos escritórios, que são, afinal, empresas e precisam gerar lucro para manter suas operações.
A questão da fiscalização amplia esse desafio. Como identificar e monitorar postagens potencialmente irregulares em um ambiente descentralizado e volátil como a internet? A dificuldade em rastrear conteúdos patrocinados tende a criar uma sensação de insegurança jurídica, em que escritórios menores evitam qualquer exposição por medo de sanção, enquanto outros, com maior estrutura, correm riscos calculados.
Um case
Um paralelo com a experiência norte-americana evidencia a defasagem do cenário brasileiro. Desde a decisão histórica do caso Bates v. State Bar of Arizona, em 1977, a Suprema Corte dos EUA reconheceu que a proibição total de publicidade por advogados feria a liberdade de expressão e o direito da sociedade à informação. Hoje, as regras americanas seguem a lógica de que a comunicação deve ser verdadeira e não enganosa, cabendo ao Estado restringir apenas práticas enganosas ou antiéticas. A American Bar Association (ABA) estabelece parâmetros claros para a publicidade que deve ser honesta, não induzir em erro e respeitar a confidencialidade, mas não há proibição genérica ao uso de casos públicos.
Além de advogados, escritórios, departamentos jurídicos e reguladores, interessa à sociedade em geral. Isso porque conhecer a atuação dos escritórios de advocacia é importante para que cidadãos e empresas possam identificar com clareza quais serviços são prestados, avaliar a especialização de cada profissional e tomar decisões conscientes sobre quem contratar. Em última instância, trata-se de garantir acesso à informação confiável e fortalecer a relação de confiança entre sociedade e advocacia.
Para quem isso interessa?
Diante dessa comparação, percebe-se que o Brasil ainda caminha a passos lentos na modernização das regras de publicidade para a advocacia. A preocupação com a ética é legítima, mas o excesso de restrições gera um efeito contrário ao pretendido, sufocando a competitividade dos escritórios e distanciando o mercado jurídico da realidade empresarial contemporânea.
Paradoxo
É urgente uma reflexão sobre a atualização do Código de Ética e do Provimento n.º 205/2021. O debate deve avançar para permitir uma comunicação mais transparente e alinhada às expectativas da sociedade digital, sem abdicar da preservação do sigilo profissional.
O desafio está em estabelecer critérios objetivos que autorizem a divulgação de casos públicos, com a devida autorização dos clientes quando necessário, e que coíbam apenas a exposição sensacionalista ou enganosa.
Enquanto isso não ocorre, o mercado jurídico brasileiro permanece preso a um paradoxo: permite-se o investimento em anúncios pagos para gerar visibilidade, mas veda-se o compartilhamento de conquistas profissionais, mesmo quando estas já são de domínio público. Assim, parece que a cada passo dado em direção ao avanço, vários outros nos empurram para trás.
A comparação com a regulamentação norte-americana demonstra que é possível equilibrar ética e competitividade por meio de regras claras e de fácil fiscalização. Em um ambiente digital cada vez mais complexo, insistir em proibições genéricas, como a vedação ao uso de casos concretos em redes sociais, é ineficaz e contraproducente. A advocacia brasileira precisa de uma atualização real, capaz de transformar a publicidade jurídica em uma ferramenta ética de valorização profissional, e não em um terreno minado de inseguranças.