Em vias de passar pelo crivo do Plenário da Câmara Federal, o tratamento que será dado à Zona Franca de Manaus (ZFM) na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reforma tributária segue dividindo opiniões. Por um lado, a promessa de preservação das vantagens competitivas do bloco contida no texto é vista como positiva.
De outro, Governo do Estado do Amazonas e setores do empresariado local se mostram pouco seguros com a falta de detalhamento da fórmula que garantiria tal premissa. Para este último grupo, fixar novas regras após a aprovação da PEC, por lei complementar, pode ser o equivalente a assinar um cheque em branco.
A origem da dúvida reside na própria redação da proposta, ainda desconhecida no todo, mas já antecipada pelo Grupo de Trabalho (GT) que debateu o assunto nos últimos meses na Câmara. Até o momento, somente as linhas gerais da nova abordagem chegaram ao conhecimento público. Isso significa que não se sabe a fórmula que seria adotada para garantir, de fato, a manutenção dos incentivos que atraíram indústrias para a região; sobretudo, mas não somente, com o fim do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – espinha dorsal da zona incentivada.
“A ZFM representa 30% do PIB do Estado, quase 50% da arrecadação de ICMS. E é a indústria que fomenta o comércio. No final do dia, é algo em torno de 70% da atividade econômica”, afirma o governador do Amazonas, Wilson Lima, em entrevista ao Estadão.
“Se acabar, isso aqui é terra arrasada. E não é daqui a cinco ou dez anos, não. Sem a garantia de competitividade para as empresas no texto, elas já começam a empacotar as coisas e a demitir”, diz.
Para o ex-deputado amazonense Marcelo Ramos (PSD-AM), o relatório – apesar de não ser definitivo – dá alguns sinais dos perigos de se aprovar uma reforma a qualquer custo. De acordo com o também advogado, texto sinaliza que a alíquota de referência só será definida por lei complementar, o que é temerário. “Mais ainda se considerarmos que, nas discussões sobre a PEC 45, a especulação era de uma alíquota única na ordem de 25%, sem considerar nenhuma alíquota diferenciada, sem ZFM “, diz.
Ramos também indica que, se um dos objetivos da reforma é reduzir a carga da indústria, não excluir expressamente os produtos da ZFM dessa redução causará o encolhimento da diferença entre produzir dentro e fora da Zona Franca. “Resta ainda o fato de que parte significativa das empresas têm atualmente redução de PIS e Cofins, que deixarão de existir, e de ICMS que será transformado em IVA Estadual, sem possibilidade de renúncia”, declara.
O governador do AM reforça a gravidade da indefinição, mesmo tendo escutado do ministro Fernando Haddad que é compromisso dele e do presidente Lula preservar o modelo. “Agora, como isso vai acontecer e como virá o texto do relator e do governo, a gente ainda não sabe.” O político se diz aberto a absorver diferentes modelos – pouco importando a fórmula final –, desde que a ZFM seja, de fato, preservada.
Importante informar que, para substituir a isenção do IPI será criado um sistema de crédito presumido e imposto seletivo que ficará em vigor até 2073, quando as vantagens tributárias para a região devem ser encerradas se não houver renovação do período de vigência. A adoção do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual sobre bens e serviços, como propõem deputados, é o ponto-chave da proposta. O novo imposto deverá consolidar ISS (municipal), PIS, Cofins, IPI (federais) e ICMS (estadual) e terá faixas de cobranças definidas conforme as especificidades de cada setor.
Inovação e renovação são outros pontos nevrálgicos para o AM
Fora a falta de detalhamento sobre o tratamento tributário para empresas instaladas na ZFM, há outro agravante, também originado da falta de aprofundamento do texto apresentado pelo GT da reforma. “A gente não pode congelar a ZFM, tirando uma fotografia. Eu preciso colocar no texto a possibilidade de inovação e de renovação, porque imagina só se você pegar 20 anos atrás, quando eram fabricados CDs e vídeo cassetes. Esses produtos já nem existem. Então, isso tem que estar previsto”, diz Lima.
De acordo com Sidney Leite (PSD-AM), deputado integrante do GT, ainda há pontos a serem afinados. “A questão do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), volume, critérios de partilha, questão da transição, e alguns ajustes que dizem respeito à legislação”, diz. Para Leite, é urgente a aprovação da reforma. “Tem coisas que estão claras, que acho que não há divergência. Tem questões que precisam de alguns ajustes e alguns diálogos, como a questão federativa.” Sobre as diretrizes para a ZFM, o parlamentar não deixa restar dúvida de que o tratamento terá que constar no texto principal. “Pelo menos alguns parágrafos tem que ter”, afirma.