Desoneração da folha: um “acordão” sem salvação.

MP 1202 desestimula o emprego e incentiva o achatamento de salários
MP em análise busca o equilíbrio fiscal pelo lado da receita, desprezando a revisão da despesa pública - Dreamstime

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José Luis Ribeiro Brazuna

As negociações sobre a desoneração da folha parecem caminhar para a devolução da MP 1202, seguida da edição de uma nova medida provisória – ou mais de uma – que cuide dos dois outros temas polêmicos do texto: o fim do Perse e a compensações de tributos indevidos segundo decisão judicial.

Confirmando-se a manutenção da desoneração, o Legislativo dará relevante mostra do respeito à Constituição e à política que a ela foi incorporada pela Emenda nº 103, cujo artigo 30 preservou as contribuições substitutivas à folha de salários existentes até aquele momento.

A medida assim tomada pelo Constituinte Derivado, em 2019, revelou a sua visão sobre a eficiência daquela política de financiamento da seguridade social, conciliando o interesse da arrecadação com a valorização dos salários e do emprego.

Eliminar a contribuição previdenciária sobre a receita bruta e retornar à tributação da folha representaria, para os segmentos abrangidos na Lei 12546/2011, um retrocesso social na política de desoneração do emprego e dos salários, em contrariedade aos artigos 1º, inc. IV, e 170, da Constituição.

Desestímulo ao emprego

Com a MP 1202, caminhou-se na contramão dessa diretriz, desestimulando-se o emprego e incentivando-se o achatamento de salários. Afinal, segundo a nova sistemática, apenas a remuneração de até um salário mínimo se beneficiaria de alíquotas menores, até o final de 2027. A parcela de remuneração superior ao piso seria penalizada com a alíquota cheia da contribuição sobre a folha.

Por outro lado, caso o “acordão” que agora se desenha implique a edição de nova MP dando fim ao Perse – regime tributário criado para a recuperação das empresas de eventos e turismo, em razão da covid-19 –, o Legislativo incorrerá em grave contradição. E isto porque, assim como a desoneração da folha, o Perse também existe graças a uma derrubada de veto presidencial promovida pelo Congresso Nacional, durante o governo Bolsonaro.

A contradição, portanto, estará em se considerar um pecado constitucional o presidente atual editar medida provisória sobre tema cujo veto fora derrubado pelo Congresso Nacional, mas não adotar o mesmo critério para assunto vetado pelo ex-presidente, com veto igualmente superado pelo Legislativo.

Incoerências

Também chama a atenção não haver qualquer revisão do gasto de R$ 3 bilhões anuais até 2028, criado pela lei Aldir Blanc concomitantemente ao Perse.

Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.232, o Supremo Tribunal Federal considerou ambas as iniciativas como políticas que não poderiam ser alteradas por medida provisória, o que parece correto, a nosso ver, diante do especial nível de proteção que os setores de turismo e cultura devem receber do Estado, conforme artigos 180 e 215, da Constituição Federal.

Diante disso, vale agora questionar: por que manter a lei Aldir Blanc, que envolve gasto público direto, e eliminar a desoneração para as empresas que justamente promovem e acolhem as iniciativas artístico-culturais que aquela lei pretende fomentar?

A resposta é clara: busca-se o equilíbrio fiscal pelo lado da receita, desprezando-se a revisão da despesa pública e, neste caso, provocando-se uma incoerência sistêmica insanável entre política tributária e política financeira.

Acordão

Por último, temos a parte do “acordão” que preservaria a limitação às compensações de créditos tributários reconhecidos por decisão judicial.

Neste ponto particular, esquece-se o governo que, ainda que lei ordinária federal possa tratar do tema, a compensação de tributos declarados indevidos pelo Poder Judiciário observa o regime jurídico vigente na data em que a respectiva ação tiver sido ajuizada. Esta é a orientação consolidada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inclusive no seu tema repetitivo nº 265.

Ainda que se possa limitar as compensações para o futuro, isso não alcançará decisões transitadas em julgado, tampouco ações ajuizadas antes da nova MP que se venha a editar. Ou seja, não se estancará o alegado déficit que compensações já consideradas devidas pelo Poder Judiciário estariam gerando para o erário federal.

Por qualquer ângulo jurídico que se veja o assunto, portanto, o “acordão” não tem salvação.

José Luis Ribeiro Brazuna

Advogado e professor

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