Camila Somadossi, Lígia Valente, Giovanna Conti e Isadora Diniz
A sigla ESG é uma abreviação dos termos em inglês environmental, social and governance que, traduzidos, significam as práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização, no sentido de transformar o universo empresarial em prol de um ambiente sustentável, no sentido ético e ecológico.
A ideia de um universo empresarial sustentável e autorregulável começou no início dos anos 90, com a criação, pelo britânico John Elkington, da abordagem Triple Bottom Line, conhecida também como tripé da sustentabilidade, segundo a qual as empresas devem medir seus resultados levando em consideração os retornos econômicos e os impactos sociais e ambientais de suas operações.
O assunto é debatido e evolui ao longo dos anos, sendo que em 2004 a ONU divulgou seus “Princípios para o investimento responsável”, que, em suma, seriam diretrizes para incorporar as ideias de ESG nos negócios.
Além disso, o tema teve ainda mais fomento com a publicação chamada “Who Cares Wins” – em tradução livre: Quem se Importa, Ganha. O texto mostrava como a preocupação com questões ambientais, socioeconômicas ligadas à governança corporativa entregava melhores resultados, tanto à empresa, que lucrava mais, quanto à sociedade que ganhava em termos de bem-estar social e maior preservação de recursos naturais.
Práticas sustentáveis
Com base nisso, as empresas começaram a inserir práticas sustentáveis nas rotinas de trabalho, usando o E da sigla como forma de impulsionar o uso de recursos naturais, reaproveitamento de resíduos e diminuição de poluentes, a letra S em preocupação com a sociedade e questões diretas de saúde, segurança e bem-estar dos colaboradores e públicos atingidos pela organização, como comunidades locais, por exemplo, e, por fim, o G contemplando o modo de governança dos negócios de maneira responsável, transparente e auditável.
Nesse sentido, os três termos utilizados em conjunto formam uma governança corporativa que tem como objetivo aumentar o desempenho das empresas de maneira sustentável e perene.
Os investimentos ESG fazem a gestão de riscos visando o crescimento empresarial por meio da adoção de práticas que contribuam para uma sociedade melhor e mais sustentável, sem deixar de gerar lucro, assim movimentando a economia, sendo um ganho para ambas as partes.
Recuperação Judicial
No Brasil essa ideia vem ganhando muito espaço. Contudo, ainda que exista estudo pelo crescimento econômico com o desenvolvimento das práticas sustentáveis acima, segundo dados colhidos em 2023 da Serasa Experian, houve um aumento de 37,6% de pedidos de recuperação judicial comparado com 2022, enquanto em relação aos pedidos de falência aumentaram 44%.
O procedimento da recuperação judicial, utilizado como forma de superação da condição de crise por empresas e empresários que tenham atividade empresarial viável, tem em sua concepção princípios voltados à proteção tanto da empresa quanto seus funcionários ou qualquer indivíduo ou empresa que possua algum vínculo com a organização, além de buscar a geração de um ambiente de negócios mas previsível e ágil, bem como buscar a geração e a manutenção de empregos e o recolhimentos de impostos.
Na teoria, as práticas de ESG deveriam impulsionar e auxiliar a recuperação judicial ou até impedir que ela ocorra, sob o fundamento de que, havendo uma gestão interna e utilizadas as práticas sustentáveis corretamente e de forma continua, o risco de crise estaria reduzido ou, ainda, haveria maiores chances de recuperação da empresa que já adota práticas ESG.
Um dos maiores exemplos atuais é o caso da recuperação judicial das Lojas Americanas, que representava um dos principais índices de ESG do Brasil e se encontra em processo de reestruturação, dando início à discussão sobre se a certificação de ESG das empresas que precisaram se valer do pedido de recuperação judicial deve ser mantida ou não, e para essa discussão, atualmente, existem dois pontos de vista.
Certificação ESG
O primeiro vai no sentido de que a certificação auxilia no processo de recuperação judicial na medida em que incentiva novos investidores e realiza a gestão interna da empresa, enquanto o segundo entende incoerente a manutenção da certificação da empresa em recuperação judicial, por concluir que a crise demonstraria que por não seguir as diretrizes, não teria tal empresa agido com responsabilidade na gestão.
Parece-nos que a questão não pode ser tão pragmática, pois, as razões que levam uma empresa ao pedido de recuperação judicial podem ocorrer a despeito das práticas ESG, razão pela qual seria extremamente prejudicial retirar da recuperanda a certificação obtida pelo cumprimento das exigências ESG pelo simples fato desta ter se valido de um processo de reestruturação judicial.
Mesmo empresas que possuem mecanismos de incentivo e controle relacionados à transparência, prestação de contas, responsabilidade corporativa e cumprimento das leis e regulamentos, com processos, papéis e responsabilidades bem definidos; que valorizam seus colaboradores e adotam ações para a promoção da equidade, com políticas de remuneração justas, programas de programa de bem-estar e qualidade de vida para os funcionários e comunidades impactadas; ou ainda, que adotam práticas para otimização dos recursos naturais, investem em fontes renováveis de energia e no desenvolvimento de uma cadeia de valor sustentável estão sujeitas a enfrentar dificuldades financeiras significativas que as levem a recorrer ao processo de recuperação judicial.
Valor
Impactos externos como a pandemia, desastres, guerras, crise econômica, dificuldades na cadeia de suprimentos, mudanças regulatórias, perda de clientes estratégicos, mudanças no mercado, entre tantos outros fatores podem impactar significativamente o cumprimento de obrigações financeiras, ainda que a agenda ESG faça parte da estratégia e esteja implementada em uma empresa.
Apesar de a regra vigente ser a de que empresas em recuperação judicial deixam de fazer parte dos índices da bolsa de valores, impactando drasticamente nos valores de suas ações, podendo também perder outras certificações, conclui-se que a perda ou não da certificação ESG pela empresa em recuperação judicial deveria ser analisada individualmente, de modo que se possa identificar se as razões que levaram a empresa a esse procedimento estão ou não relacionadas a falhas de gestão em termos ambientais, sociais e/ou de governança, a fim de que tal fato não prejudique ainda mais a imagem da recuperanda que está aderente às exigências ESG perante investidores e a sociedade no geral, o que prejudicaria substancialmente o processo de retomada da sua saúde financeira e, por conseguinte, seria contrário à própria Lei de Recuperação Judicial.
as autoras
Camila Somadossi Gonçalves da Silva é advogada especialista em recuperação judicial e sócia do escritório Finocchio & Ustra Advogados
Ligia Cardoso Valente é advogada especialista em recuperação judicial
Giovanna Mendes de Oliveira Conti é estagiária da área de recuperação judicial do escritório Finocchio & Ustra Advogados
Isadora Coimbra Diniz é advogada especialista em compliance do escritório Finocchio & Ustra Advogados.