Locações: STJ e a renúncia expressa à indenização por acessões

Decisão do STJ gera impacto para contratos não residenciais
STJ gera impacto em contratos - Freepik

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Fábio Baldissera, Felipe Tremarin e Rodrigo Cantali*

Em outubro de 2023, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze no julgamento do Recurso Especial nº 1931087/SP, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que a cláusula de renúncia à indenização por benfeitorias, em contratos de locação, não se estende às acessões

Tal decisão foi amplamente divulgada, eis que é comum em contratos de locação, sobretudo naqueles de natureza não residencial, que seja entabulada cláusula em que o locatário renuncia de forma genérica a indenização e a retenção das “benfeitorias” realizadas no imóvel.

No caso concreto, as partes celebraram contrato de locação para instalação de uma academia, tendo o locatário realizado “uma nova construção no local para que pudesse realizar suas atividades”. 

No entanto, em razão de “negativa do alvará de funcionamento”, a academia nunca fora utilizada. Em ação indenizatória ajuizada pelo locatário, esta requereu indenização pela construção. 

Por sua vez, a locadora alegou que a construção configurava benfeitoria, acerca da qual não haveria direito de indenização, por disposição contratual que assim estabelecia. 

Em primeira instância, a sentença entendeu tratar-se de acessão, sendo inaplicável a cláusula contratual. No entanto, o Tribunal de Justiça sustentou que a “distinção entre os conceitos de acessão e de benfeitora é irrelevante para solução desta causa, na medida em que a cláusula contratual de renúncia ao direito de indenização abrange não só as benfeitorias, mas todas as adaptações realizadas no imóvel locado, o que inclui a construção (acessão)”.

Eis, então, a dúvida: a dita “nova construção” configura benfeitoria, excluindo-se a possibilidade de indenização, ou configura acessão? No caso concreto, o STJ entendeu tratar-se de acessão, sendo devida a indenização requerida pelo locatário.

Sobre o tema, é importante destacar o racional do artigo 35 da Lei 8.245/1991, que permite às partes, com base na autonomia da vontade, renunciarem aos direitos à indenização e de reter o imóvel pelas benfeitorias que tenham sido feitas no imóvel, independente delas terem sido autorizadas.

Além do referido respaldo legal, a renúncia pelas benfeitorias encontra guarida em conhecida súmula de nº 335 do STJ, a qual dispõe que “Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção”.

É de se notar, no entanto, que nem a Lei 8.245/1991, nem a Súmula 335 do STJ, mencionam o tratamento a ser dado às acessões, mas somente às benfeitorias. Desse modo, é importante entendermos qual a sua diferenciação.

Temos como acessões, aquilo que é construção nova, que se incorporam ao imóvel de forma a agregar ao já existente, enquanto a definição de benfeitoria passa por obras e despesas efetuadas no imóvel para conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo, ou seja, um melhoramento em coisas já existentes e, portanto, acessório.

Tal diferenciação é bastante tênue, mormente, ao tentarmos capturar exemplos práticos, eis que ambos podem tratar-se de obras; contudo, os conceitos não são análogos, eis que na acessão temos uma obra nova que se acrescenta aquilo já existente, enquanto a obra relacionada à benfeitoria tem como seu objeto aquilo que já existe.

Voltado ao foco para a referida decisão, o STJ invocou o artigo 114 do Código Civil como fundamento central da impossibilidade de renúncia tácita ou de extensão da renúncia das benfeitorias às acessões, eis que a renúncia deve ser interpretada de forma estrita.

Somam-se aos fundamentos da decisão os artigos 1.255 e artigo 1.256, § único, do Código Civil, dos quais se pode extrair as máximas de que  aquele que edifica em terreno alheio, perde as construções em favor do proprietário, contudo, tem o direito a ser indenizado se procedeu de boa-fé e) o valor das acessões também deve ser ressarcido na hipótese de ambas as partes terem agido de má-fé, presumindo a má-fé do proprietário, quando o trabalho de construção se fez em sua presença e sem a sua impugnação. 

Ademais, fato de que o locatário não pôde desenvolver suas atividades no local devido à ausência de alvará de funcionamento, o qual, segundo a decisão, não foi obtido ante a inexistência de interesse da locadora/proprietária do bem, se somou para que fosse configurada a má-fé da locadora, tendo em vista que isso foi impeditivo ao início das atividades do locatário.

O STJ bem ressaltou que, no caso concreto, não devem ser tratados de forma igual institutos jurídicos diversos, como no caso das “benfeitorias” e das “acessões”. Portanto, é fundamental a regulação de ambos os institutos nos contratos de locação.

Feitas essas considerações, recomenda-se a locadores que desejam evitar ter que indenizar acessões a serem realizadas no imóvel, que o façam de forma expressa, inserindo nos contratos de locação a renúncia a qualquer tipo de construção e realização de acessão adicionalmente à renúncia às benfeitorias, ou, em sendo o caso, que, além da renúncia, haja a vedação da realização de qualquer construção e acessão que não seja autorizada pelo locador. 

É importante também estabelecer contratualmente disposições que tratem acerca do descumprimento desta disposição l pelo locatário, de modo que o locador, ao tomar conhecimento de construção de acessão não autorizada, interpele o locatário imediatamente a fim de cessar a construção da acessão ou que venha a desfazê-la. 

Do contrário, fortes serão os argumentos para elaborar a tese de que a construção deva ser indenizada pelo fato delas terem sido feitas na presença do locador e sem a sua impugnação.

*Fábio Baldissera é bacharel em Direito pela PUC-RS. Doutor em Direito Público pela Universidad de Burgos (Espanha). Sócio da área Imobiliária do Souto Correa Advogados.

Felipe Tremarin é bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Especialista em Direito Imobiliário pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Advogado da área Imobiliária do Souto Correa Advogados.

Rodrigo Cantali é bacharel, mestre e doutorando em Direito pela UFRGS. Advogado da área de Contratos do Souto Correa Advogados.

Da Redação

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