Por Louise Didier e Daniel Betton*
Este início de ano vem revelando o grande e rápido avanço da inteligência artificial, e duas ferramentas têm gerado discussões intensas acerca da possível substituição de humanos pela tecnologia em atividades criativas.
De um lado está o ChatGPT, que é um dos recursos mais comentados do momento por ser capaz de elaborar até textos acadêmicos convincentes. Do outro, temos uma startup norte-americana que alega ter criado um robô para substituir os advogados no aconselhamento aos clientes no tribunal, em audiências de recorrência de multas de trânsito. Em comum, as características de funcionamento se assemelham, com um conjunto de algoritmos capazes de “criar” conteúdo em texto a partir de estímulos gerados por pessoas.
A tecnologia e a inovação são sempre bem-vindas e, sem dúvida, devem ser incorporadas ao mercado jurídico como um meio facilitador para atingir um objetivo final. No entanto, diagnósticos elaborados no calor dos acontecimentos, quando não se tem no horizonte sequer um resultado concreto que permita uma análise apurada, assumem um risco de ter seu sucesso frustrado.
Fim dos profissionais do Direito?
Por isso, decretar o fim da linha para profissionais como os do direito, em meio ao maravilhamento causado pela surpresa, parece um caminho fadado ao insucesso. A história é a base mais sólida que se tem para avaliar esses casos, e ela mostra a constante incorporação de tecnologias pela humanidade e um reequilíbrio de funções entre pessoas e máquinas, independentemente do quão disruptivas foram as novidades. O que se vê, aliás, é que a inteligência artificial já vem sendo utilizada pelos profissionais do direito e a soma do aprendizado de máquina ao cérebro gera resultados bastante positivos.
Antes de adentrar nas suas aplicações e imaginar cenários, é preciso entender que a chamada inteligência artificial é uma forma de programação de algoritmos que são aptos a se aperfeiçoar em conduzir análises específicas conforme o programa é alimentado com mais dados. Com ela, as tecnologias criadas se tornam capazes de interpretar dados e tomar decisões autônomas a partir das informações processadas.
No entanto, como todo processo de machine learning, é necessário que a máquina tenha um ensinamento e feedback de situações passadas, classificando se o algoritmo acertou ou errou no resultado específico. Portanto, deve-se ter em mente que, para desenvolver soluções de IA para o jurídico, é essencial que haja uma base anterior de conhecimentos humanos da área, que deve subsidiar desde a ideação de soluções até a calibragem das ferramentas.
Esse parece ser o norte da Assessoria de Inteligência Artificial, criada ao final de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para criar soluções aplicadas às funções da corte, que já conta com dois “robôs”: o Victor, que analisa temas de repercussão geral e triagem de recursos, e a RAFA 2030 (Redes Artificiais Focadas na Agenda 2030), criada para classificar as ações de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). E a inovação não se restringe à esfera federal. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais implementou o sistema Radar, que permite aos magistrados julgar centenas de ações repetitivas em segundos, a partir de uma decisão paradigma.
Tecnologia para gerar valor
Na advocacia, o uso da tecnologia tem gerado bastante valor. A exemplo disso, são as ferramentas criadas para revisar contratos, realizar pesquisas jurídicas, criar documentos de forma automática, assim como inteligências artificiais que auxiliam na previsão dos resultados de litígios e análises de padrões jurisprudenciais.
É através destas tecnologias que os advogados ganham em velocidade e qualidade nas suas ações e tomadas de decisões. Com a economia de tempo, há ainda uma redução dos custos e uma liberação do capital humano para atuar em atividades mais adequadas a seus conhecimentos, como a estratégia processual e a negociação.
O rápido avanço tecnológico visto nos últimos tempos tende a se disseminar, transformando profundamente, não só o jurídico, como boa parte do trabalho humano. É nesse ponto que devemos depositar nossas expectativas e investir esforços. Até porque, por mais impressionantes que sejam os produtos de IA atuais, deve-se ter em mente que os algoritmos não têm, ainda, a capacidade de desenvolver novos conhecimentos, bem como gerar perguntas, coisas que só os neurônios são capazes de produzir. Sem essas habilidades, tecnologias semelhantes à do ChatGPT, entre outras, atingem um certo limite, pois sempre estarão em processo de aprendizagem.
A constatação mais precisa é a de que muitas discussões se constroem a partir dos questionamentos errados. O dilema da substituição do homem pela máquina, além de antigo, só tem o mérito de lançar na esfera pública as novidades tecnológicas.
Porém, como se vê com rápidos exemplos locais e recentes, este bonde já partiu há tempos, e o que se deve ter em mente é como acompanhá-lo, para possível incorporação de eventuais inovações e geração de valor aos clientes internos e externos, em todos os segmentos do direito – pela via tecnológica ou pelas habilidades humanas, estas insubstituíveis, ou melhor, pela combinação de ambas.
*Louise Didier é advogada e sócia da Impact Legal Performance e Daniel Betton é engenheiro e sócio da Impact Legal Performance