Randall Neto
Em algum momento, nas suas conversas cotidianas, você já deve ter se deparado com essa máxima: “um mau acordo é melhor que uma boa briga”.
Essa expressão sugere que, em muitos casos, é preferível chegar a um acordo, mesmo que desvantajoso, em vez de iniciar uma disputa judicial prolongada e dispendiosa.
Muitas vezes, quando ouço, me lembro de uma outra expressão: “você prefere ser feliz ou ter razão?”
Não sei vocês, mas eu sempre fico com a impressão de estar sendo intimidado, como se a mera hipótese de estabelecer padrões dialéticos para debater ideias fosse capaz de eliminar qualquer possibilidade de FELICIDADE.
Para mim, embora essas máximas tenham mérito, é importante não valorizar em excesso o conceito de “acordo” e considerar os aspectos positivos e negativos de cada abordagem.
A virtude do acordo
Um acordo é frequentemente visto como uma solução eficaz para evitar litígios prolongados.
O processo judicial pode ser moroso, dispendioso e emocionalmente desgastante. Além disso, as garantias de sucesso nem sempre são garantidas. Nesse sentido, um acordo pode ser uma maneira sensata de encerrar uma disputa de forma rápida e eficaz.
No entanto, é crucial reconhecer os limites do acordo.
Às vezes, as partes podem ser pressionadas a aceitar termos desfavoráveis devido a um desequilíbrio de poder, seja ele econômico ou intelectual. Isso pode resultar em um acordo que não reflete equidade ou justiça.
É importante lembrar que a busca pelo consenso não deve ser usada como desculpa para comprometer princípios fundamentais ou direitos.
O peso do arrependimento
O arrependimento é uma consideração importante ao avaliar um acordo.
Às vezes, aceitamos termos que, em retrospectiva, parecem desvantajosos. Isso pode ocorrer devido a mudanças nas circunstâncias, à obtenção de informações adicionais ou à evolução de nossos objetivos.
Pense quantas vezes você aceitou termos de um empréstimo no banco que salvaria seu fluxo de caixa ou concordou com cláusulas em um contrato de aluguel de um imóvel que parecia o ideal, e, depois, pensando melhor, ou mudando as circunstâncias, você se perguntou se foi uma negociação justa.
No direito, parecemos viver num eterno equilíbrio entre o pacta sunt servanda e o rebus sic stantibus.
Optei por não dizer o significado de cada um desses brocardos em latim, tanto por achar que um operador do direito deve conhecer, quanto por achar que a simples pesquisa e interpretação pode ser interessante.
Portanto, é crucial pesar cuidadosamente a decisão de aceitar um acordo, considerando as possíveis consequências no futuro.
Essência de relações bem-sucedidas está nos bons acordos
A busca por benefícios mútuos em uma negociação é uma prática que data de séculos, mas ainda hoje é fundamental para evitar o que é conhecido como o “Contrato Leonino”.
A expressão contrato leonino tem sua origem numa fábula de Esopo: um cavalo, uma cabra e uma ovelha haviam feito um acordo com um leão e caçaram um cervo.
Partindo-o em quatro partes, e querendo cada um levar a sua, disse o leão: a primeira parte é minha, pois é meu direito como leão. E continua: a segunda me pertence porque sou mais forte que vós e a terceira também levo porque trabalhei mais que todos. E quem tocar a quarta me terá como inimigo, conlui, tomando todo o cervo para si.
Portanto, a expressão “cláusula leonina” ou “contrato leonino” é usada para se referir a acordos ou cláusulas contratuais que são excessivamente desfavoráveis para uma das partes, deixando essa parte com benefícios mínimos ou nenhum benefício real.
Além disso, exemplos mais contemporâneos incluem contratos de trabalho abusivos, nos quais os funcionários recebem salários muito abaixo do mínimo necessário para uma vida digna, enquanto os empregadores retêm lucros excessivos.
Quando um bom acordo faria diferença
Acordos de aluguel abusivos
Em muitos casos, locadores aproveitam a falta de opções dos inquilinos para impor contratos de aluguel com aluguéis inflacionados, cláusulas onerosas e manutenção inadequada das propriedades.
Contratos de empréstimo predatórios
Instituições financeiras que oferecem empréstimos com taxas de juros excessivas e termos enganosos, frequentemente deixando os mutuários em uma armadilha de dívidas.
Contratos de trabalho desiguais
Muitos trabalhadores enfrentam contratos que não oferecem benefícios adequados, horas de trabalho excessivas e salários abaixo do mínimo necessário para uma vida digna.
Acordos de parceria comerciais desleais
Em relações de negócios, parcerias comerciais injustas podem surgir quando uma parte obtém uma vantagem significativa em detrimento da outra, prejudicando a igualdade na distribuição de lucros.
Esses exemplos ilustram a importância de garantir que todos os acordos sejam justos e equitativos, protegendo os direitos e interesses de ambas as partes envolvidas.
Evite a armadilha da “parceria sopa de tigre”
Por isso, a busca por acordos justos e equitativos é essencial para evitar cair na armadilha da “parceria sopa de tigre”.
Este cenário ilustra a importância de delinear claramente os termos de uma colaboração.
Imagine prometer a alguém que vocês irão compartilhar os lucros de uma sopa de tigre, mas, na realidade, essa pessoa teria que caçar, esfolar e preparar o tigre, enquanto você apenas cozinharia a sopa.
Para evitar desentendimentos e relações comerciais desiguais, é crucial estabelecer acordos que definam claramente as responsabilidades e recompensas de ambas as partes.
Assim, você pode evitar situações injustas e criar parcerias sólidas baseadas na confiança e na equidade.
O papel do profissional do direito
Quando confrontados com o dilema do “mau acordo vs. boa briga”, contar com a orientação de um profissional do direito é inestimável.
Um advogado experiente pode ajudar a avaliar a força do seu caso, entender as implicações de um possível acordo e fornecer insights sobre alternativas disponíveis.
Além disso, um advogado pode ajudar a negociar termos mais favoráveis e garantir que seus interesses sejam adequadamente protegidos.
Sensatez
Em última análise, a decisão de optar por um acordo ou uma disputa judicial depende das circunstâncias específicas de cada caso. Embora o acordo possa ser uma solução sensata em muitas situações, não deve ser uma escolha automática.
É fundamental considerar cuidadosamente os prós e os contras de cada opção e buscar aconselhamento jurídico quando necessário.
O importante é encontrar o equilíbrio certo entre buscar o consenso e não ser intransigente, garantindo que seus direitos e interesses sejam adequadamente protegidos de contratos leoninos e “sopas de tigre”.