Por Caio Campello
Inspirado pelo excelente artigo do Professor de Direito da Universidade de Suffolk, Dwight Golann, intitulado “Grieving Over Settlement: The Role of Loss in Settlement Negotiation”, escrevo esta coluna de forma a sintetizar e comentar alguns dos seus ensinamentos e deixar ao público brasileiro uma reflexão sobre o tema.
Lidando com a perda
Lidar com o sentimento de perda em um acordo realizado ou em um acordo frustrado ainda é matéria pouco explorada no campo acadêmico e prático. Geralmente, os sentimentos oriundos de perdas trazem em si uma intensidade muito grande, que não pode ser desprezada. Até mesmo porque, a percepção de perda, que pode despertar fortes sentimentos e comportamentos entre os litigantes, é muitas vezes a razão pela qual um acordo não se materializa.
As perguntas mais importantes a serem feitas neste contexto são: (i) o que faz os litigantes sentirem que estão perdendo em uma negociação, (ii) quais emoções esse sentimento de perda provoca, (iii) como tais emoções afetam o seu poder de negociação, (iv) como o mediador pode auxiliar as partes a lidarem com a perda durante uma negociação de acordo.
A frustração com a perda vem em vários formatos e momentos. Ela pode acontecer quando, por exemplo, uma das partes faz uma importante concessão que é necessária para que um acordo seja alcançado. Também pode se manifestar pela sensação de que os termos do acordo não são aceitáveis, justos ou razoáveis. Trata-se da frustração de uma expectativa, que às vezes estão intimamente atreladas ao mérito do caso, em que qualquer desfecho pode significar uma enorme perda para a parte.
Gestão de expectativa
Uma das formas de identificar e mensurar a sensação de perda é fixar uma referência. Quanto maior for a expectativa em relação ao resultado, maior poderá ser a sensação de perda. A visão otimista do acordo, em não acontecendo, gera o sentimento de perda.
Já uma perspectiva mais modesta do que seria o acordo pode significar até mesmo um gosto de vitória. Isso pode ser mais facilmente medido se a parte sabia o que ela tinha antes do acordo e quanto ela terá se o acordo for concluído em determinados moldes. Expectativa e senso de justiça são, portanto, duas referências importantes para medir o senso de perda.
No processo de gestão de expectativa, há vários elementos que se tornam relevantes, como por exemplo, o conhecimento da parte a respeito de suas reais chances de sucesso, ou seja, o quanto o advogado da parte já conseguiu fazer os ajustes necessários em relação ao mérito do caso e os valores envolvidos. Ter conhecimento dessas informações no início de uma negociação pode ser relevante para diminuir a sensação de perda ao final.
Se isso não for feito de maneira realista e profissional, há sérias chances de a parte partir de bases erradas sobre seus ganhos, aumentando as chances de um descasamento de expectativas.
Luto
A sensação de perda também pode emergir em casos em que um dos litigantes tem plena consciência de que o resultado confirmará, de forma definitiva, a realização da perda. Isso é comum em casos de indenização aos familiares de vítimas de acidentes. O pagamento da indenização pode encerrar o processo de luto, acabando definitivamente com a sensação de negação e resistência inicial da perda.
O litígio pode ser usado também como forma de negar os fatos e de retardar o sentimento de apuração da perda. É uma forma simbólica de prolongar a sensação de que a perda pode ainda ser remediada por um juiz ou árbitro e que o senso de justiça pode ser restaurado. Continuar com a briga pode, portanto, proporcionar a sensação de prolongamento do luto, evitando a materialização da perda, o que, em certas situações, é proferível pela parte.
As pessoas são genuinamente avessas a perdas. Muitas tomam altos riscos para evitar uma perda, ainda que não significativa. Em um processo de negociação, às vezes a parte tem que escolher entre uma perda imediata ou apostar em continuar na briga, que pode evitar a perda completa, mesmo que seja mais custoso.
Incerteza
Isso pode vir da expectativa gerada pelo próprio advogado que lança argumentos exagerados e agressivos e convence seus clientes de que a expectativa de ganho é alta. Mas, essa estratégia pode se tornar extremamente frustrante, porque o cliente percebe, no curso da negociação, que aquela promessa de ganho é irreal e que concessões deverão ser feitas do seu lado.
Existem sentimentos mais comuns de pessoas que sofreram perdas severas. A primeira é a negação, quando a parte se recusa a aceitar a perda, optando por um processo de exclusão seletiva das informações e das provas que são contrárias as suas crenças.
A segunda reação é a raiva, que pode se expressar por propostas totalmente irrazoáveis e por posições extremas em uma negociação. A terceira é a falta de condições de decidir, por conta de um quadro de depressão, falta de clareza, apatia e desorganização, que simplesmente paralisa o processo de negociação. Esses exemplos podem tornar as negociações extremamente desafiadores, imprevisíveis e instáveis.
Afinal, o que negociadores e mediadores podem fazer para lidar com as reações das partes em relação ao sentimento de perda? Analisar com clareza e discernimento as reações, para ver se há de fato justificativa plausível ou se seria uma simples tática de negociação. Reconhecer e lidar com as emoções das partes, o que é bastante desafiador, porque não há um padrão definido. Deve procurar se colocar como um ponto de apoio, paciente e disponível, validando os sentimentos de luto da parte. Recomenda-se que isso seja conduzido em sessões individuais com cada parte, para que haja um ambiente seguro para que esses sentimentos de perda sejam expressados de forma genuína.